sexta-feira, 27 de maio de 2011

Nova Friburgo, 193 anos – um aniversário de reflexão

Nova Friburgo. Foto: Regina Lobianco.

Reproduzo aqui meu texto sobre os 193 anos de Nova Friburgo, publicado na edição deste mês de maio no jornal Eco Lumiar.

Aniversários de Nova Friburgo são sempre especiais... mas, neste ano de 2011, depois da tragédia climática de janeiro último, a festa se torna ainda mais singular e significativa para nós. Mas, antes de falarmos do presente, é importante conhecermos o passado de nossa cidade.

Curiosamente, Nova Friburgo comemora seu aniversário não no dia de sua fundação (13 de janeiro de 1820), e sim no dia em que foi assinado o acordo para a vinda dos colonos suíços para o Brasil, em 16 de maio de 1818. Controvérsias históricas à parte, forjada ou não pelo poder público no século passado, como salientam alguns colegas historiadores, o fato é que o 16 de maio já está na memória e no coração do friburguense e hoje, para todos os efeitos, este é, sim, o dia do aniversário da cidade.

A história de Nova Friburgo remonta aos tempos da colonização portuguesa, quando antes havia aqui a Fazenda do Morro Queimado. Durante o período em que a corte portuguesa foi transferida para o Brasil, o rei D. João VI, querendo introduzir o trabalho assalariado livre e buscando também “europeizar” as terras brasileiras – consideradas por ele muito mestiças e cheias de costumes afro-indígenas – assinou um acordo (em 16 de maio de 1818) com o governo suíço para a imigração de colonos daquela nacionalidade para o Brasil. A vinda dos suíços para Nova Friburgo é considerada a primeira imigração oficial de não-portugueses para a colônia.

Escolhido o local – a Fazenda do Morro Queimado, na serra fluminense pela proximidade com a corte (a colônia foi pensada como um centro abastecedor de produtor agrícolas para o Rio de Janeiro) e, ao mesmo tempo, devido a um clima tropical mais ameno – e selado o acordo entre as duas nações, a notícia se espalhou rapidamente na Suíça e, numa época em que a Europa passava por sucessivas crises e guerras provocadas pelas conquistas do general francês Napoleão Bonaparte, muitos suíços lançaram-se à aventura de tentar uma nova vida em terras desconhecidas. Por isso mesmo, ao invés das 100 famílias pensadas no acordo, embarcaram rumo ao Brasil cerca de 2006 pessoas.

A difícil travessia do oceano Atlântico teve um saldo de 200 mortos, sepultados no mar devido ao risco de contágio de doenças. Muitos ficaram viúvos e órfãos. Em 4 de novembro de 1819, quase dois meses depois da partida na Europa, os primeiros navios aportaram na Baía de Guanabara, no Rio de Janeiro. E, apesar do esgotamento físico e psicológico da viagem, os suíços ainda tiveram que viajar mais 11 dias para chegar até a colônia, atravessando a Serra dos Órgãos.

Ao chegarem na tão sonhada colônia, os suíços começaram a se decepcionar com a nova terra. Devido ao excesso de imigrantes, as 100 casas construídas (muito simples e pobres, sem portas internas, assoalho ou piso e sem vidro nas janelas) tiveram que ser divididas entre 261 famílias. As cheias do rio Bengalas, que alagava as casas, já eram constantes naquela época. A má qualidade dos lotes de terra oferecidos também desestimulou os colonos. E, por fim, a falta de acesso à administração da colônia, feito por luso-brasileiros, fez com que muitos suíços abandonassem Morro Queimado – uns foram para as terras quentes (e com cultivo de café) de Cantagalo, ouros voltaram para a sede da corte, no Rio, e há relatos até de suíços que voltaram para seu país.

Mas a grande maioria dos colonos, após requisitarem novas e melhores terras ao já príncipe-regente D. Pedro I (a essa altura D. João VI e sua corte já haviam retornado para Portugal), foram mesmo em direção ao Vale do Macaé, onde hoje estão localizados os distritos friburguenses de Mury, Lumiar, São Pedro da Serra e parte da Estrada Serramar. Daí a grande concentração de descendentes de colonos suíços nesta região até hoje: Boy, Péclat, Schwabb, Marchon, Balmant, Spitz (que não são oriundos desta primeira imigração) e muitos outros.

A colônia foi elevada à categoria de vila a 13 de janeiro de 1820, numa tentativa de revitalizar a ex-colônia, e recebeu o nome de Nova Friburgo em homenagem à cidade de origem da grande maioria dos colonos – Fribourg (nome alemão que significa “cidade livre”). Também com o objetivo de revitalizar a vila, migraram para o local 284 colonos alemães que estavam no alojamento para imigrantes em Niterói. Enfrentando os mesmo problemas que os suíços, além de serem perseguidos pela sua fé luterana, os alemães também abandonaram a vila, buscando maiores oportunidades também no Vale do Macaé e em Amparo. Novo grupo de imigrantes alemães chegaria à Friburgo no início do século XX, promovendo uma destacada industrialização local, com fábricas como a Haga, Arp, Filó e outras.

Nova Friburgo transformou-se em cidade em 8 de janeiro de 1890 e, com o período das grandes imigrações para o Brasil a partir de 1850, recebeu imigrantes de diversas outras nacionalidades, como libaneses, espanhóis, japoneses etc., que ajudaram a moldar a atual cultura da cidade.

Este ano o município completa, segundo a data oficial escolhida para ser seu aniversário, 193 anos. E foi justamente neste ano de 2011 que Nova Friburgo sofreu uma de suas mais duras provas em seus quase dois séculos de existência – a tragédia climática de 11 e 12 de janeiro. Só quem estava presente naqueles dias na cidade pode ter a real dimensão do que aconteceu: cenário de guerra na manhã do dia 12, com sirenes de bombeiros e ambulâncias intermitentes, helicópteros cortando o céu da cidade e pessoas andando a esmo pelas ruas, sem saber como agir. Morros “rasgados” por deslizamentos, alagamentos, morte e destruição. Vi o morro da Rua Cristina Ziéde, rua paralela à Monsenhor Miranda, meu endereço por mais de 20 anos, vir abaixo. Um cenário desolador e que ainda me provoca um sentimento de angústia e perda. Doeu muito ver minha cidade daquele jeito, chorei e sofri muito, como todo friburguense, mas também dei graças a Deus por ser uma sobrevivente daquela catástrofe, considerada a maior tragédia climática já ocorrida no Brasil.

As marcas da tragédia continuam em nossas mentes e também em todos os cantos da cidade. Para onde quer que se olhe há morros que “sangraram” diante da força da natureza. Mas, por mais cruel que isso possa soar, sabemos que a vida é feita também desses “trancos”. Quem nasceu ou vive em Friburgo – ou, como eu, foi criada lá desde os 6 anos de idade – há mais de 30 anos, se assusta com o vertiginoso (e não-planejado) crescimento da cidade: diminuição da área verde, ocupação irregular, favelização, desemprego, aumento dos índices de violência, inchaço populacional, aumento da temperatura (quando criança, o uso de ar-condicionado ou ventilador em Lumiar ou Friburgo era algo impensável), degradação ambiental, etc. E a natureza está, sim, cobrando seu preço.

Que este 16 de maio de 2011, 4 meses após a tragédia que deixou marcas físicas e psicológicas profundas na cidade, possa nos trazer a reflexão do futuro que realmente queremos para Nova Friburgo. Que a catástrofe nos faça mais fortes e, assim como aconteceu comigo, fortaleça o amor que temos pela nossa cidade, renovando nosso compromisso de amor com o lugar que vivemos ou escolhemos viver, e que busquemos fazer da nossa Nova Friburgo sempre um lugar melhor de se viver.


Feliz aniversário, Nova Friburgo!


Por Luciana Spitz – jornalista, professora e historiadora

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